quinta-feira, 29 de abril de 2010

Quando um cachorro preto cruza nossa frente e morremos atropelados

- Quanto ao uísque, deixa essa merda aí no chão que depois eu limpo. Mas me paga o valor e os juros agora.
Não sei se foi pelo “agora” que ele falou ou se foi pelo momento filho da puta que minha vida está passando, quando dei por mim eu tinha agarrado outra garrafa e espatifado na cabeça do sujeito. E enquanto todos me olhavam com cara de cú, eu dei no pé como se fosse um verdadeiro atleta do século XXI.
Depois de estar a uns tantos quarteirões de distância do bar, parei encostado em uma parede, fiquei realmente exausto pela corrida, e meu estômago dava cambalhotas. Vomitei tudo que tinha bebido nesses dois dias seguidos. Não me lembro de outra coisa além beber. É como se eu não tivesse feito outra coisa na vida, como se eu tivesse estragado tudo. Me senti o mais inútil de todos os panacas inúteis do mundo.
- Eu estraguei tudo. – Murmurei entre os dentes. – Fodi com a minha vida toda.
Recuperei o fôlego, mirei o outro lado da rua e comecei a andar.
Ouvi um latido e parei, olhei para os lados. Tinha um cachorro preto me observando da calçada. Ele estava sentado, e bem sério me encarava, como se estivesse sacado das coisas que estou passando. Ele me entende, esse filho da puta. Comecei a caminhar para seu lado quando um carro veio em minha direção, eu estava muito chapado, mas ainda consegui ver que o cara estava com o farol apagado, senão tinha desviado antes.
O carro me deu uma pancada violenta, voei por uns metros e saí rolando. Parei deitado de costas para o chão, só consegui mexer uma mão. Percebi que saia sangue por todos os meus buracos, ouvidos, nariz boca e cú. Fiquei realmente apavorado quando o cara do carro veio até mim e começou a chorar; e era um cara grande. Acho que ele viu meu estado, viu que eu não sairia dessa.
- Filho da puta, filho da puta, filho da puta, filho da puta! Você me matou cara, seu merda. Desgraçado. – Ainda consegui dizer.
Ele só balbuciava umas coisas sem nexo. Parei de me importar com ele e acho que comecei a delirar.
- Hahaha, então isso é que é morrer. Que jeito idiota de morrer. Dessa vez eu me superei. Foda. Meu Deus.
Virei minha cabeça para o lado e ainda com os olhos abertos eu vi o cachorro preto. Ele estava ali paradão, só me encarando. Cachorro bom.
Cadê você, meu amor?
Depois veio o frio e a escuridão.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

18 - Idades - 25

Eu farei 25, você 18.
Com 18 anos você poderá tirar sua carta de motorista e entrar em cinemas pornôs. Com 25 anos o seguro do meu carro fica mais barato e eu já vou ter chegado à metade da minha vida.
Com 18 anos você começará a enxergar a vida de outra maneira, de um jeito mais amplo e sentirá que deve aproveitá-la ao máximo. Com 25 anos eu já terei experiências experimentadas, uma faculdade nas costas e uma atitude amarga.
Com 18 anos você pensará em novos empregos e novas amizades. Com 25 eu pensarei em comprar terrenos e pôr dinheiro em previdência privada.
Com 18 anos você começará a freqüentar bares. Com 25 anos eu começarei a ser expulso de bares.
Com 18 anos você queria ter 25, com 25 anos eu queria ter 18.
E comemoraremos nossas idades juntos.
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Para minha doce loira, ou loira doce... não sei.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Carta para uma jovem desconhecida

Querida,
Vezes e vezes eu lhe disse: Foda-se, eu te amo. E você não respondia nada, apenas mordia meus lábios e sugava minha língua de forma tão intensa que parecia que iria arrancá-la fora. Eu gostava disso, ficava excitado e transávamos como animais. Mas era só prazer, você nunca disse que me amava. Nunca mesmo.
Gostava do seu sorriso e do seu jeito louco de viver. Você brilhava. Brilhava... e acho que isso é o seu pior defeito. Esse seu brilho me ofuscava, não conseguia enxergar que você pisava em meu coração, que você me corroia as entranhas, que você me machucava sem eu mesmo perceber. Até aí o idiota foi eu, mas eu estava apaixonado, merda. E foi naquela maldita manhã, naquele maldito banco, bem na hora em que você chegou, que eu comecei a enxergar, eu vi você de verdade, o real, e reconheci uma desconhecida. Não comentei nada, deixei me levar, não agi de forma diferente. Queria ver até onde isso ia dar, queria te conhecer de verdade; e conheci seu lado mais podre. Seu lado destruidor que consome até o fim quem está al seu lado. Quando te conheci eu tinha tudo, agora sou vazio, você me convenceu que me completava como homem, mas você era uma subtração. Eu ganhei vícios, rugas, dores profundas, e minha alma se tornou amarga.
Eu te amo, eu te odeio, profundamente.
Agora, jovem desconhecida, eu lhe mostrarei o medo.