quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quem ficou com as fotos?

Por Isabella Ferraro

Nenhuma foto pôde ser tirada naquela noite em que tudo brilhava.
Não houve registro da lua tão baixa e tão absurdamente clara, do lago que a refletia, das plantas que tentávamos identificar na semiescuridão ou das pessoas que contemplavam a cena abraçadas, em uma noite prateada que revelava apenas o hálito quente expirado no ambiente gelado, quando sussurrávamos alguma coisa um para o outro.
Nada foi gravado, alguém pode mesmo duvidar que tenha acontecido. Mas eu ainda consigo enxergar tudo agora, com a clareza da lua naquela noite. Consigo enxergar as faixas de luar brincando em seu cabelo e deixando-o ainda mais louro. Consigo ver suas mãos brancas me puxando para o lago e seus braços envolvendo minha cintura, enquanto ele me levanta, gira e ameaça me jogar na água. Consigo enxergar suas pupilas de cor indefinida, única, tentando me decifrar a noite inteira e testemunhando cada reação minha.
Fecho meus olhos, mas ainda assim vejo tudo. Seus dedos, ainda claros, ainda brancos, passeiam por todo o meu corpo e seus cabelos enluarados finalmente descansam ofegantes no meu peito.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ella, eu - compartilhar

- Uma vez me disseram que o bacana da vida é compartilhar.
- Para mim o que mais importa é a outra pessoa, não me importo muito comigo e se estou bem. Me sinto mais feliz em fazer os outros felizes. Principalmente fazer você feliz.
- Mas o barato de compartilhar é justamente saber dar e receber ao mesmo tempo.
- Eu sei, isso seria legal, mas não funciona em mim, gosto de receber, mas gosto ainda mais de dar. Não me importo comigo, realmente.
- Mas assim não tem graça, você também tem que se divertir.
- Me mostra o caminho.
- Ande dois quilômetros, vire a direita, depois a esquerda todo sempre.
- Mas tem um precipício ali!
- Pois é.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O homem que fodia com tudo

Eu: Mais uma vez estraguei tudo, parabéns.
Rato de Boné: Como assim? O que aconteceu?
Eu: Fodi com tudo, cacete!
Rato de Boné: Como assim? O que aconteceu?
Diabo: Ele fodeu com tudo, você é surdo?
Eu: Que merda, o que faço?
Diabo: Chega aí, vamos conversar.
Eu: Que chega aí, o caralho. Me deixa em paz, quero ficar sozinho.
Rato de Boné: Como assim? O que aconteceu?
O Diabo dá um tapa na nuca do Rato de Boné e arranca seu... boné.
Diabo: Como eu dizia, posso resolver toda essa merda.
Eu: Como? Como?
Diabo: Muito simples, você me vende a...
Lagosta: Não dê ouvidos a ele!
Diabo: Oh droga, cale a boca!
Lagosta: Não vou deixar que você lubridie o pobre idiota.
Eu: Eu não sou idiota!
Todos olham para mim.
Eu: Ok, eu sou um idiota.
Jimi Hendrix (Deus): NÃO, VOCÊ NÃO É.
Todos: Ohhhhh!
Jimi Hendrix (Deus): AS VEZES NA VIDA FAZEMOS COISAS ESTÚPIDAS, SEM RAZÃO, SEM PENSAR. AS VEZES NOS ARREPENDEMOS, OUTRAS VEZES NÃO. ISSO FAZ PARTE DE NOSSA ESSÊNCIA, DE NOSSO SER. NÃO SOMOS IDIOTAS POR CAUSA DISSO.
Eu: Mas, mas, o que eu faço?
Rato de Boné: Não ouviu o crioulo? Se arrependa!
Lagosta: É, só assim você terá sua redenção.
Diabo: Ora, vão todos para a puta que o pariu. Não tão vendo que o cara já está arrependido? O que ele precisa mesmo é de um grande abraço!
Observador pensando: “Se está no inferno, abrace o capeta, certo?”
Eu: Eu estou arrependido, mesmo! Me desculpa!
Todos me abraçam. Lágrimas escorrem de meus olhos.
Observador pensando: “O Diabo roubou a carteira do idiota, e a Lagosta passou a mão na bunda do Jimi Hendrix (Deus), que coisa!”
Jimi Hendrix (Deus): OK, TUDO RESOLVIDO POR AQUI. ALGUÉM, ALÉM DE MIM, ESTÁ COM FOME? SOUBE QUE VENDEM ÓTIMOS CACHORROS QUENTES POR AQUI.
Eu: Odeio cachorro quente.
Rato de Boné: Eu também.
Diabo: Também não sou chegado.
Lagosta: Nem eu.
Jimi Hendrix (Deus): AH, VÃO TOMAR NO CÚ.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Justo

- Meus pensamentos e lembranças estão morrendo. Com o passar dos dias, ficarei vazio. Não reconhecerei mais as pessoas a minha volta, o passado será um dia de nevoeiro, o presente um mundo novo a cada redescoberta. O futuro, a única certeza, definharei até a morte total do cérebro. Não gostaria nunca de te esquecer. “Querer” vai ser uma coisa que não mais poderei controlar, por isso tenho que fazer o que quero agora. E o que eu quero é minimizar nosso sofrimento, se continuarmos juntos o sofrimento será maior, em um espaço de tempo longo. Por isso, minha vida tomará um rumo diferente a partir de agora. Juntarei umas poucas coisas e partirei sem rumo. Chegarei a um ponto em que nem saberei quem sou e de onde vim. Isso é o que quero, não peço para entender ou me impedir. Já está decidido. Justo?
- ...
- Adeus, pedirei para alguém vir alimentá-lo, Fiel.
Nilson pegou sua mochila, abriu a porta e se virou para Fiel, que estava sentado sobre as patas traseiras. Deu um ultimo aceno, Fiel abanou o rabo e deu um latido seco. A porta se fechou, o mundo se abriu; tanto para Nilson, quanto para o cachorro.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Eu sou quem eu sou; vampiro

Segunda-feira: Entrei no quarto, ela gritava desesperadamente. Tive que usar a mordaça pela segunda vez. Ela tentou me bater, estava forte ainda, fui obrigado a amarrá-la à cama com fita isolante. Cortei dois dedos da sua mão direita pelo desrespeito. Não dei-lhe comida neste dia.

Terça-feira: Ela ainda chorava, estava inconformada com sua situação. Passei três horas inteiras à contemplá-la. Tentei dar de comer em sua boca, ela cuspiu em mim. Cortei sua língua com precisão. Não precisava mais usar a mordaça.

Quarta-feira: Dei-lhe uns tapas para acordá-la, ela está fraca. Joguei uns comprimidos de vitamina pela sua goela. E água, bastante água. Ela me olha com olhos piedosos. Não tenho pena, corto seu pé esquerdo e faço um torniquete para estancar o sangue. Mesmo sem língua ela dá uns urros de dor. Impressionante.

Quinta-feira: Seus olhos agora são de uma pessoa morta, não tem mais brilho. Eu leio para ela um livro infantil, bem antigo, ela não reage muito, sua respiração é fraca. O cheiro do quarto está insuportável. Eu raspo todo seu cabelo e corto fora suas duas orelhas, ela está horrível.

Sexta-feira: Ela está morta. Acho que foi pela madrugada que deu seu ultimo suspiro. Eu desamarro seus pulsos, estendo seu corpo pela cama totalmente nú. Lavo-a com álcool e depois a perfumo com óleo de amêndoas. Começo a devorar seu corpo lentamente, pedaço por pedaço. Sugo cada gota de seu sangue gelado. Novamente estou vivo, reiterado, com força suficiente para agüentar mais cem anos sem me alimentar.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A casa dos cenários

Há uma casa, em um topo de colina, quase escondida no meio do capim alto; em Jundiaí. Depois da meia noite, em dias extremamente escuros, algumas pessoas à visitam. Chamamos ela de “a casa dos cenários”.
É estanho dizer que ela é estranha, pois estranheza é uma palavra pequena se você estiver ali em uma noite sem lua. A palavra poderia ser “bizarra”, mas esta palavra me soa meio suja; e esta casa não é suja.
Não há truques, nem mágica, é um buraco no espaço (buraco no espaço foi a melhor definição que encontrei), para tentar explicá-la. A casa dos cenários funciona assim:
Um grupo de pessoas entra em um cômodo, este cômodo não tem nada além de um tapete para a turma se sentar. Fazem uma roda, escolhem uma pessoa, ela começa a criar um cenário, qualquer cenário, por mais absurdo que seja, e então BANG! Todos estão dentro do cenário, tocando e respirando seu ar, interagindo com o ambiente, gozando dos prazeres que podem ter ali. Você pode encontrar seu amor, você pode ver seu cavalo, você pode ser um astronauta.
Na primeira luz do dia, o cenário desaparece, o tapete está de volta. As pessoas voltam felizes para suas casas.
A casa dos cenários tem as seguintes regras:
- Você não pode entrar sozinho. Senão você morre.
- Você não deve falar sobre ela, igual ao clube da luta. Senão você morre.
- Você não pode matar ninguém em um cenário. Senão você morre.
- Você não pode tocar nas paredes e nem levar o tapete embora. Senão você morre.
- Você não pode entrar se não tiver bebido pelo menos meia garrafa de uísque ou equivalente.