sexta-feira, 26 de junho de 2009

Traduções e Versões*

...trambiques e verões, terminou de escrever a garota.
Antes de situa-la, é preciso descrevê-la; vale a pena, veja: Sua pele era de uma brancura incrível, seus olhos verdes claros eram o próprio Mar do Caribe numa manhã ensolarada, os cabelos eram negros e bem lisos, brilhavam feito uma noite estrelada, estrutura rabial perfeita.
A garota estava sentada em uma cadeira giratória, no segundo computador ao fundo, contando da direita para esquerda, de uma lan house no centro da cidade. Há poucos meses atrás ela nunca havia se interessado ou ao menos entrado em um lugar desses, até que em um belo dia de primavera ela teve que imprimir um trabalho da faculdade e sua impressora estava quebrada, sendo assim foi resolver seu problema nessa lan house.
Entrou e deu uma olhada no local, era um pouco escuro, um pouco cheia, mas para sua surpresa não era frequentada por apenas moleques, mas havia uns velhotes também, talvez traindo suas velhotas pelo msn. E então a garota se voltou para o balcão, ela teve um choque, suas pernas estremeceram e um calor devorou seu peito. Havia uma garota no balcão, e é preciso descrevê-la; vale a pena: Olhos amendoados feito... amêndoas, cabelos loiros cacheados e volumosos que desciam até seus peitos saltando para fora em um decote imenso, sua pele era morena cor de jambo, daquele jeito que parece uma pintura de um desses pintores famosos, Gauguin por exemplo.
Era primavera, a garota era linda, o que ela podia fazer a não ser se apaixonar?
A partir daquele dia, toda semana, pelo menos umas duas vezes, partia a garota para a lan house para ver, conversar e trocar uns sorrisos com a outra. Ela geralmente sentava ao fundo, em um lugar que ficava bem de frente para sua amada. Ficava observando-a e escrevendo versos de poemas no computador.
A garota (a de olhos verdes) trabalhava em uma editora, fazia traduções de alguns livros meia boca, gostava de escrever. Ao fim de três meses ela percebera que mais ou menos sem querer escrevera uns quarenta e tantos poemas, e bons poemas. Mostrou ao editor chefe e ele gostou tanto que resolveu publicar.
Anos depois a garota dos poemas e a garota com pele de pintura de Gauguin moravam juntas, apaixonadassas. Viviam das vendas do livro de poemas, e pensavam e adotar filhos.

*Este título é copiado de uma empresa de literatura, muito legal esse nome.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Indecisas, nojentas e decididas... Um conto pornográfico (é nada)

Já foi dito que a noite modifica os homens, suas feras interiores são liberadas. Grgrgr. Certa noite, um jovem casal toma a importante decisão de passar a primeira noite juntos. Decisão que, para o rapaz, já estava mais que tomada desde o primeiro dia de namoro, mas ela decidiu fazer isso depois de 11 meses. O primeiro passo a seguir é “onde?”. Eu não tenho grana para o motel, diz o rapaz. Na minha casa não pode ser, rebate a moça. Decidiram pedir ajuda a um casal mais velho de amigos. O “Ponto do amasso” é o local ideal, opinou o amigo. Tá, então vai ser no “Ponto do amasso”. Lugar este famosíssimo entre os mais jovens, beirando uma estrada de terra, cercado por árvores, conhecido também por supostas aterrissagens de discos voadores. Forram para lá os dois em uma bela noite enluarada, na caranga do velho, logicamente. O rapaz, claro, deu a entender que sabia tudo e foi logo chegando para cima da moça, que tremia feito gelatina. Mas o negócio não estava dando muito certo, era não pega aí para cá, cuidado aí para lá. Mas por fim e finalmente chegaram aos finalmentes, depois olharam cada um para um lado envergonhados. Opa, espera aí, disse o rapaz. O que? Perguntou a moça temerosa. Como eu sou burro, esqueci da camisinha! QUE? Esqueci completamente! QUE? A moça começou a chorar e o rapaz a fazer promessas de ficar um mês sem ter pensamentos impuros se a moça não engravidar. Deu-se que no dia seguinte o rapaz teve vários pensamentos impuros e a moça de fato engravidou. Seu filho se chamou Juvenal.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O fim da estrada, o começo do caminho - pt2

– O cérebro parece que está a mil por hora, processando “n” informações, pensamentos voam, tempestades de descargas elétricas ecoam por sua cabeça, o sangue fervilha como uma poça de lava. É nessas horas que tudo acontece, você perde a noção da sensatez, começa a fazer bobagens e incrivelmente seu nível de interatividade atinge os picos mais altos. E você se sente bem. Tudo flui e parece que para melhor. Beijos são roubados nessas horas e amizades são destruídas porque você não consegue se conter e fala tudo o que pensa. Age de acordo com o tamanho da sua hiperatividade e continua criando e fazendo bobagens. Diz sim para tudo. O caminho da vida bandida é o sim. Diga sim, e você viverá feliz para sempre.
– Quem liga? – Respondeu ela novamente.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A mão branca da escuridão

Se por um lado o virtuosismo que ele ganhou nas mãos o fez uns dos melhores, por outro uma artrite violenta, que lhe ocorreu seis meses depois, o impossibilitou de tocar para o resto de sua vida. Mas foram seis meses ótimos.
Conhecemos o cara em um hotel de quinta em Nova Orleans, no ano de 1956. Ele estava completamente largado em uma mesa no imundo, porem acolhedor, bar do hotel. Sentamos na mesa ao lado, ele estava acompanhado por uns sujeitos estranhos, pedimos nossas cervejas e aguardamos os sujeitos partirem. Pouco depois eles se foram e nós fomos sentar com o cara. Estávamos frente a frente com o sujeito que foi considerado melhor saxofonista do mundo.
Pagamos uma bebida para ele, jogamos um pouco de conversa fora e logo em seguida começamos a fazer as perguntas, afinal éramos jornalistas recém formados e estávamos atrás de uma boa matéria.
Ele estava bem chapado, de bom humor e não se ofendeu quando perguntamos se de fato havia vendido sua alma para o diabo em troca de habilidades. Respondeu que isso era coisa de guitarristas de blues, e que os verdadeiros músicos de jazz eram o próprio diabo. Perguntei como estava sua mão podre, ele me mostrou o dedo do meio e disse que ainda conseguia fazer aquilo. Sua pele negra se enrugou toda em um riso e seus dentes amarelos saltaram para fora, rimos bastante naquela hora.
Pendurado em seu pescoço havia um colar de ossos, não sei de que animal. Me interessei por ele e perguntei o motivo do colar. Ele disse que pertencia a uma antiga seita africana, a qual participava. Algumas de suas músicas foram inspiradas nela, boas músicas. Mas soubemos depois que essa seita era de magia negra, e que havia sacrifícios humanos inclusos em seus rituais e que anos depois o próprio “melhor saxofonista do mundo” foi degolado e destroçado em um desses rituais. Suas músicas foram retiradas do mercado e proibidas, pois houve casos que pessoas se suicidaram após ouvi-las.
Eu consegui guardar alguma coisa dele, realmente sente-se alguma coisa estranha no ar quando ouvimos suas notas ribombarem nos falantes. De fato, eles são o próprio diabo.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Nem tão quente quanto o inferno

A salamandra rastejou pelo charco e se enfiou na primeira poça que encontrou.
Um grupo de homens, tão cobertos de lama que nem pareciam homens, andavam afundando-se até os joelhos. Carregavam rifles de caça sobre a cabeça e dois deles dividiam o peso de uma caixa de madeira. Enormes e pavorosos insetos infestavam o ar quente e úmido, eles sugavam grande quantidade de sangue ao penetrar na pele dos desprevenidos. O suor brotava das testas dos homens e escorria pelos seus rostos carrancudos, mesmo assim nenhum deles pestanejava. Vez ou outra tomavam um trago de aguardente Janx para aliviar a situação.
Estavam caminhando pelos traiçoeiros pântanos do planeta Gestlelman de Froiney, os pântanos de Glaxodimim. Esse lugar era conhecido como o Inferno Molhado. Poucos se aventuravam por essas bandas, exceto animais rastejantes ou voadores, que comiam os animais rastejantes.
A salamandra apontou sua cabeça para fora da poça que estava enfiada e o observou o movimento dos homens.
Eles agora pararam. Parecia que haviam chegado ao lugar planejado, que não era diferente dos outros lugares ao redor. Era úmido e quente, e havia os insetos. Depositaram a caixa de madeira no chão e ela afundou um pouco. Com um pé de cabra, ou uma ferramenta bem próxima à um pé de cabra, abriram-na. Um dos homens estava cavando ao lado, na verdade estava tentando cavar, ao retirar a lama com a pá, outra lama ocupava seu lugar. Desistiu depois de um tempo. Então dois homens retiram de dentro da caixa um corpo embrulhado em um plástico amarelo.
Depositaram o corpo na lama e abriram o saco amarelo, talvez para uma última despedida. O corpo era pequeno, havia partes metálicas em alguns membros, era meio humano, meio robô. Sua cabeça era humana, ao menos dava para ver os miolos saindo de um enorme buraco que havia na testa.
Os homens voltaram a cobrir o corpo com o saco amarelo e jogaram lama sobre ele até ficar totalmente soterrado e sem chances de dar as caras ao ar livre novamente. Sobre o local que estava enterrado o corpo tentaram colocar uma placa, que acabou sendo pregada em um arbusto nas proximidades, nela podia-se ler: “Aqui está enterrado o grande amigo Xisfaldo, um grande filho da puta que pediu para ser enterrado em um lugar filho da puta.”
A salamandra viu os homens partirem, cantou um ou dois versos de uma canção local e voltou para sua poça.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Hombres


Minha homenagem ao cartunista Liniers, do Macanudo. Algo de bom sai da Argentina.
http://autoliniers.blogspot.com/

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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Estranho amor

O grande pai está pronto para partir. Veste suas meias amarelas, pega sua maleta vermelha. Abre a porta e não olha para traz, com passos firmes ele desce os degraus salmão. Olha para os lados e decide pegar o caminho da direita, que o leva direto para a estação ferroviária.
O pequeno filho observa tudo pela janela. Seu rosto sereno de menino maduro se retrai num choro leve. Ele apanha sua jaqueta azul sobre a cadeira vermelha. Pula pela janela dos fundos e sai em direção a rua. Pega o caminho da esquerda, que o leva direto a casa da vizinha.
O vira-lata observa tudo deitado no chão da cozinha laranja. Pega o jornal na soleira da porta e o leva para a mulher que está na cama.
A mulher apanha o jornal, acaricia o vira-lata. Levanta da cama, olha para a porta, olha para a janela. Vai a cozinha e põe água para ferver no caldeirão. Abre o armário cor-de-rosa e retira um pacote de macarrão, joga sal e uma pitada de azeite no caldeirão. Despeja o macarrão e senta-se a mesa.
O louro verde grita alguns palavrões e debate as asas, estava sonhando com céus cinzentos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Documento - pt1

A ativista política Ana Claudia acordou cedo esta manhã. Pediu para trazerem seu desejum no quarto e rapidamente se arrumou e estava pronta para sair. Hoje era um dia importante, tinha uma reunião com os tubarões de uma grande empresa envolvidos em uma causa que ela aderira. Havia quatro meses que ela começara a desenvolver investigações contra uma empresa extratora de petróleo, onde esta estava agindo com irregularidades em determinada área. A briga estava pendendo para o lado dos ativistas, pois estes juntaram provas suficientes contra a empresa e Ana Claudia estava altamente envolvida na situação. Milhões de dólares estavam em jogo.
Após estar pronta e checar se todos o papeis estavam em sua maleta, Ana Claudia ligou para a portaria e solicitou um táxi. Minutos depois desceu para o saguão principal do hotel.
- Meu táxi já chegou? – Perguntou ela ao atendente.
- Ainda não, madame. Mas creio que logo estará aqui.
Ela repassava mentalmente todos os argumentos e alegações que irai expor na reunião. Eles tinham que ganhar esse caso. O táxi chegara e ela logo entrou e deu o endereço ao motorista.
Pouco tempo depois um homem entrou pelo saguão do hotel e foi falar com o atendente.
- Vim buscar a senhorita Ana Claudia, ela solicitou um táxi.
O atendente ficou perplexo.
Estava tudo normal dentro do táxi, exceto que o motorista não dizia uma palavra, mas para Ana Claudia não fazia muita diferença. No rádio estava tocando uma música antiga.

Continua...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ao olhar de soslaio

“Ao olhar de soslaio, toda mulher parece desejável. Se puder sentir seu perfume então... melhor ainda”.
Era isso o que sempre dizia o velho Ferraz a respeito das mulheres. Ele era o típico homem que apreciava todo tipo de mulher.
“Sendo mulher, para mim está ótimo”.
O velho Ferraz, além de grande amante do sexo oposto, era também comandante de um velho rebocador, que conduzia os grandes navios aos seus portos.
“Seria eu mais feliz se meu barco fosse rodeado por belas sereias”.
Já tinha pelo menos 50 anos de mar, era um velho lobo. Mas dizia que nunca se apaixonou por ele.
“Melhor mesmo é se apaixonar por 100 mulheres”.
Ele não se importava em ser amado, não se importava em pagar para ter uma dona em seus braços.
O epitáfio em sua lápide dizia: Aqui repousa um coração capaz de carregar 1000 amores.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Frio

Ah, eu me lembro muito bem que há cerca de sete anos atrás eu gostava muito do frio. Acordava de manhã em meio as cobertas e sentia no rosto aquela sensação de agulhas penetrando na pele, me sentia bem. Andava pelas ruas com minha jaqueta preferida, uma coisa já meio velha e surrada, mas que me caia muito bem. Mãos nos bolsos e um cigarro na boca, o vento levantava meus cabelos. Nessa época eu era menos sabido das coisas, mas era mais feliz. Eu tinha então 17 anos.
Hoje o frio me trás dor. Minhas mãos não esquentam e de noite sinto frio. Não que seja mais sabido hoje em dia, mas me sinto mais infeliz.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Deborah

E eis que finalmente surge um pequeno ponto de luz no fim do túnel, onde o breu total engolia as paredes, o chão e todo resto. Era certo que o chão estava coberto de cascalho, pois podia ouvi-los em seus passos vagarosos. Não ousava tocar nas paredes. O ar era abafado, como se tivesse sido sugado por poderosas máquinas. Já se passara uma eternidade que ele caminhava, e a sensação de medo nunca o abandonou. A grande impressão que sentia desde o começo era que algo grande, profundo e denso o seguia, podia ouvir sua pesada respiração e seu arrastar pelo chão. Mas tudo podia ser uma ilusão, podia ser que fosse seu próprio eco a retumbar pelas paredes. Vezes ou outras ele podia ouvir o barulho de água a rolar entre as pedras, o que deixava sua boca mais seca do que já estava. O sentimento de vazio e solidão era tão grande que ele nem lembrava mais de seu nome, de sua vida. Estava andando por puro instinto, mas se lembrava de uma coisa, um nome: Deborah. Não lhe vinha à mente a quem esse nome pertencia, nem seu grau de importância, mas ele tinha a certeza de que não poderia esquecê-lo. E então veio a luz, começou com um ponto minúsculo e foi se abrindo. Uma coisa chamada esperança voltou a aflorar em sua mente. O monstro que o seguia foi-se embora. Ele chegou à boca do túnel, a luz branca irradiante cegou seus olhos. Ele, como nunca, pensou em Deborah.
- Ele está acordando.
- Confira a pressão.
- Seus batimentos cardíacos estão normais.
- Ele está acordando.
- Fale com ele.
- Você está me ouvindo? Consegue me entender?
- ...
- Ele não responde.
- É normal para quem passou três anos em coma não se lembrar de muita coisa, inclusive da fala.
- Espere, parece que ele está murmurando algo.
- ...
- Parece que está dizendo, Deborah.
- Chame-o pelo nome.
- Henrique, bem vindo a vida.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Vôo livre

No alto, bem no alto, onde o ar é rarefeito e as nuvens estão lá embaixo, um ponto negro se move em meio a imensidão azul. As asas fortes de Coração de Trovão sustentam seu vôo e tremem em meio a rajadas do vento. O sol fraco de inverno aquece suas penas negras e fere seus olhos de águia. Seu grito ecoa pelos ares, exaltando sua condição de extrema liberdade.

terça-feira, 2 de junho de 2009