quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Segunda-feira carnaval

Segunda-feira! Seria um dia ruim se não fosse carnaval. Jenésio saiu cambaleante do bar, olhou para o relógio com dificuldade. Eram 20h00, a noite mal começara. Ainda tinha muito tempo para diversão. Acendeu um cigarro e caminhou rumo ao centro velho da cidade, lá havia o carnaval de rua. A turma toda se reunia pelas praças ao som de bandas tocando músicas típicas. Pelo caminho encontrou alguns amigos também embriagados, juntaram um grupo e em meio a gargalhadas passaram em um supermercado para comprar mais bebidas. Seu celular não parava de tocar, as pessoas ligavam para convidá-lo a ir em alguma festa ou baile. “Carnaval como esse aqui não existe, em plena segunda-feira e essa bagunça toda...” dizia ele.
Mesmo com uma chuva ameaçando cair, o centro velho estava abarrotado de gente. Aquele clima de folia pairando no ar, Jenésio podia sentir, aquela energia vibrante que as pessoas emanavam. Uma morena alta passou por ele mostrando-lhe todos seus encantos. “Viva o carnaval!” gritou ele, e saiu gingando ao som de uma marchinha atrás da morena.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A vida em uma carta - Ana Camila

Poucos dias depois do carnaval, em uma cidade interiorana chamada Jundiaí o clima de festividades já havia passado, as indústria voltaram a rotina, o comércio estava aberto e os correios voltaram a funcionar; e Ana Camila recebeu uma carta. Seu nome e endereço estavam escritos a mão, antes ela nunca recebera uma carta assim. Todas suas correspondências, contas, boletos e cartas de banco eram digitadas. Estranhamente o remetente apenas assinou seu nome, Henrique e nada mais.
Ana Camila foi ao seu quarto, trancou a porta e abriu o envelope tentando lembrar se conhecia algum Henrique. A carta estava toda escrita à mão com uma tinta preta de uma caneta de ponta porosa. Ela sentou na beira da cama e começou a ler...

Querida Ana Camila,

Chamo-te de querida pois todo meu querer está em sua pessoa e nesse momento, em que escrevo esta carta, você é tudo o que eu vejo. Não, você não me conhece pessoalmente e não mais me conhecerá; explico depois. Mas conheço você, seus olhos me perseguem, sua imagem não me sai da mente. Estou olhando para você agora.
Eu sei, você não está entendendo nada. Vou começar do começo.
Chamo-me Henrique. Nasci nessa mesma cidade e nunca morei em outro lugar. Meus pais são boas pessoas, me criaram com muita educação. Tive uma infância normal, sem traumas ou cicatrizes. Nesse momento tenho 23 anos. O que acontece com nossa idade depois que morremos? Gostaria de saber. Tenho, ou tive, bons amigos, daqueles em que se pode confiar seus mais terríveis segredos, daqueles que te seguram quando se está caindo embriagado. Não tenho namorada, nunca tive. Apenas beijei garotas a esmo, sem compromisso. Nunca passei mais de um mês com a mesma garota. Mas acredite, amei todas. Nenhuma me amou, ou pelo menos não pareceram me amar. Preciso confessar, eu sempre tive sorte no jogo da vida, tudo acontece exatamente de modo a me deixar em vantagem, tudo se encaixa, o sinal está sempre verde para mim. Mas como diz o ditado ao contrario, sorte no jogo, azar no amor. Acredito nisso, em sorte e azar. E eu não tenho sorte no amor. Mas a vida é boa. Apesar da pouca idade posso dizer que já sou o que chamam por aí de “rodado”. Vi coisas demais, li coisas demais. Já chorei por louras, já me embriaguei até ver as estrelas ficarem mais próximas, viajei por outros estados, nadei em rios e cachoeiras, andei de moto em trilhas lamacentas. Logicamente ainda tenho muito a aprender e a viver, tenho não, tinha. Pois querida Ana Camila esse é meu ultimo dia de vida. Não fique chocada, eu não estou. Não, não tenho uma doença terminal ou alguma coisa incurável. Rogo de boa saúde, apesar das dores de cabeça. Eu mesmo é que decidi me retirar da vida. O motivo? Sinceramente, e digo sinceramente mesmo. Eu não sei! Mas essa idéia vem me perseguindo a algum tempo, vem me consumindo. Eu já estou cansado. Acho que essa é uma boa idade para morrer. Nem muito novo, nem muito velho.
Sabe como descobri você? Como me interessei por você? É incrível e até estranho, certo dia estava andando pelo centro da cidade e resolvi comprar um chapéu, sempre quis andar de chapéu, nunca tive coragem, mas nesse dia resolvi comprar um. Entrei na loja, escolhi o modelo e fui ao caixa realizar o pagamento; e ali estava você. Eu tenho uma problema sabe, não bem um problema, mas uma peculiaridade, eu me apaixono apenas por olhar alguém que me dê interesse. Com você não foi diferente. Me apaixonei. Paguei o chapéu com meu cartão de crédito, peguei a nota, recebi seu sorriso de agradecimento e também dei meu melhor sorriso. Ao chegar em casa olhei mais atentamente os dizeres da nota fiscal, no rodapé estava escrito: Cliente atendido por: Ana Camila dos Santos. Daí para descobrir seu endereço foi fácil, internet e lista telefônica fazem milagres.
Nesse momento estou escrevendo esta carta sentado em uma mesa da lanchonete que fica de frente para a loja em que você trabalha. Estou olhando para você menina. Essa é minha carta de despedida, de você e da vida. Decidi escrever para três pessoas, três garotas que amo. Você é uma delas.
Provavelmente no momento que você receber essa carta eu já terei partido. Não precisa fazer nada com ela, apenas leia e releia. Não precisa guardá-la se quiser.
Desejo-te um bom ano.
Uma boa vida.
Uma boa chuva.

Amo-te, querida Ana Camila

Henrique

Depois de ler a carta, Ana Camila a releu. Mas não a guardou. Um sentimento estranho pairou em seu peito por alguns dias, mas logo passou. Sua vida foi boa.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Rápido como um tubarão

Jhonny, the Tuba, era como ele era chamado pelos amigos. Ele era velocista, especializado nos 200 metros. Seu físico era propício ao esporte, pernas largas, boa musculatura, alto e careca. No começo de sua carreira ele corria os 100 metros também, era um dos melhores, mas pareceu-lhe que com o passar do tempo sua explosão foi definhando assim como sua juventude. Sobrou-lhe então os 200 metros. Jhonny, the Tuba era um veterano e um exemplo para os mais jovens, seu lema “desistir jamais” era a força motivadora para os iniciantes. “Se o Jhonny, the Tuba consegue, eu também consigo.” Diziam eles.
No meio de fevereiro, as vésperas do carnaval, aconteceu o campeonato nacional na cidade do Rio de Janeiro.
Era a última corrida de Jhonny, the Tuba.
A aposentadoria batia a sua porta já à algum tempo. Os últimos resultados não eram promissores. Chegara a hora de pendurar o tênis. Mas já estava decidido que ele continuaria no esporte, agora como técnico. Talvez escreveria um livro também, contando sobre sua infância sofrida e como o esporte o ajudou a superar as dificuldades.
Estava um dia muito quente no Rio. Os corredores suavam às bicas.
Jhonny, the Tuba se classificou com dificuldade para as finais.
Chegara o momento, a ultima prova. Os corredores estavam aos seus postos, pouco antes da largada uma nuvem cobriu o céu e uma brisa fresca soprou no rosto de Jhonny, the Tuba. O tiro foi dado.
Jhonny, the Tuba não bateu nenhum recorde em sua ultima prova, nem ao menos chegou em primeiro. Mas foi ovacionado pela torcida e recebeu uma bela chuva de ovos e farinha de seus colegas.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Promoção: Reforme seu sofá e ganhe uma cadeira

Carlos Joaquim vivia em um sobradinho caindo aos pedaços no centro da cidade. De todas as incertezas de sua vida a maior foi abrir em sua garagem uma oficina de reforma de sofás. Seu já falecido avô trabalhou com reformas por alguns anos e passara para ele alguns macetes da profissão. Logo de cara recebeu em seu primeiro serviço o primeiro calote. Ele reformara uma velha poltrona trocando seu pano rasgado por um outro da cor vermelha e o dono não o pagou. Carlos Joaquim ficou com a poltrona para tentar vende-la, não conseguiu. O segundo serviço foi mais pesado, um conjunto de sofás de couro tinha que ser remendado.
Alguns meses se passaram e os negócios não iam tão mal, dinheiro não era curto, mas poderia ser melhor. O engraçado da profissão eram os objetos que ele encontrava dentro dos sofás. Muitas pessoas perdem coisas neles. Ele já havia encontrado moedas (claro), canetas, brinquedos, calcinhas, cd´s e até uma máquina fotográfica.
A vida de Carlos Joaquim mudou certo dia em que recebeu uma encomenda de uma velha senhora que levou um pequeno sofá para ele trocar o estofamento. A velha dizia que o sofá pertenceu ao seu filho, que foi morto a algum tempo baleado pelas costas. Ele geralmente ouvia a história dos sofás, essa parecia interessante. Ele aceitou o serviço normalmente. Tinha que terminar uns outros três trabalhos e em seguida pegou o sofá da velha para reformar. Ao tirar todo estofamento dele ele achou um grande pacote entre o madeiramento. Estava preso por várias voltas de fita adesiva. Cuidadosamente ele soltou o pacote, era pesado. Alguma coisa estava envolvida em um saco plástico enrolado em fita. Com um canivete ele rasgou o saco, um fino pó branco escoou para o chão. Ele pegou uma pitada e pos na língua, ela adormeceu com o contado. Cocaína, ele pensou, muita cocaína.
Certamente a velha desconhecia o fato de ter esse pacote escondido no sofá, ele poderia ter pertencido ao seu filho morto. Agora pertencia a Carlos Joaquim. Ele imediatamente fechou a loja e escondeu o material. Entregar á polícia poderia gerar complicações e dor de cabeça, também estava fora de cogitação devolver para a velha. Deixa escondido em sua casa era uma outra impossibilidade. Vender foi solução encontrada por ele. Carlos Joaquim não era bandido, mas também não era santo. Ele conhecia duas ou três pessoas que poderiam passar a cocaína para ele. Uma delas pelo menos ele sabia que era confiável. Foi o que fez.
E deu certo.
Deu tanto certo que Carlos Joaquim se interessou pelo ramo, ele pesquisou fornecedores, fez contatos e com o dinheiro ele comprou mais cocaína e fez o negócio crescer. Agora em sua garagem ele não só reformava sofás, mas também recheava-os de pó. Em épocas de vacas magras ele fazia uma promoção: compre 200 gramas e ganhe uma cadeira.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Precioso

Todo mundo algum dia já ouviu falar de um cavalo que se chama Precioso. É um nome conhecidíssimo entre esses animais, algo parecido com o Rex dos cachorros ou o Zé dos papagaios. Este cavalo tinha exatamente este nome; Precioso.
Numa pacata cidade interiorana chamada Jundiaí, em meados da década de 40, onde palavras como progresso significava aumentar a produtividade da colheita de uvas, havia um sítio como qualquer outro. Era noite de ano novo. Havia frango assado na mesa e vinho, claro. Nesta noite um cavalo nasceu. Não é possível dizer de cara que era um cavalo especial ou que grandes feitos cruzariam seu destino, mas ele tinha alguma coisa diferente, uma peculiaridade que entraria em seu caminho no futuro. E ele teria um longo futuro.
Um cavalo vive em média 30 anos.
Precioso levava uma vida dura no sítio, como qualquer outro cavalo de sítio. Logo cedo levava as crianças para a escola, puxando-as em uma carroça por mais de 15 km. Depois geralmente levava ou trazia mercadorias da cidade. Certos dias puxava arado e as vezes servia de montaria. Mas apesar da vida dura, o capim era sempre verde e farto. Precioso já tinha 20 anos e vira o patriarca da família partir dessa para melhor. Agora o caçula da casa cuidava dele. Logo seria um cavalo velho e teria sua merecida aposentadoria.
Os anos passam rápidos.
O cavalo branco de pelos lustrosos dava voltas pelo campo em um galope calmo e tranqüilo. Apesar de estar beirando os 35 anos de idade, estranhamente, Precioso ainda aparentava ser um cavalo jovem. E 35 anos era uma idade avançadíssima para esses animais. Mas os humanos da sua família não se deram conta da idade do animal, não sabiam ou não se lembravam de quando ele tinha nascido, apenas era o velho cavalo da família.
Precioso foi o primeiro cavalo da história a completar 60 anos de idade, mas só ele sabia disso. Um cavalo com essa idade adquire uma consciência de si próprio e sua inteligência se assemelhava a dos humanos. Era capaz de se lembrar de fatos passados e planejar o futuro. Ele vivia agora livre. Procurava distância dos humanos, não queria ser preso e dissecado para estudos. Sua inteligência e liberdade proporcionaram coisas boas para ele.
No ano de 2045 os carros voavam, as pessoas davam passeios em Marte e um cavalo completava 100 anos de idade.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Os cães ladram e a chuva cai

18h00, domingo. Durmo um sono pesado e sem sonho, resquícios da ressaca da noite passada se vão por completo. Acordo com um barulho ensurdecedor mas já conhecido, o som do trovão. Vem tempestade.
As primeiras gotas batem na janela de vidro fazendo escorrer gotas de água junto com o pó acumulado. Levanto e me sento na beira da cama e fico à observar a chuva que aumenta gradualmente. Vislumbro e me encanto com os raios que rasgam o céu neste começo de noite. Pelas ruas e calçadas a enxurrada já é grande e com força arrasta os mais variáveis dejetos que se acumulam pelos cantos. Alguns poucos carros passam velozmente com os faróis acesos e os limpadores de pára-brisa trabalhando incessantemente. Nenhum pedestre eu vejo.
Minha surpresa é grande quando avisto um cachorro caminhado pela calçada. É um vira lata preto, pequeno e ensopado. Ele parece ter a calma dos cachorros de rua que já atravessaram diversas tempestades. Não parece dar o menor sinal de estar procurando abrigo ou lutando contra a enxurrada, apenas caminha em meio as águas sem rumo e sem preocupações. Eu o invejo.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Tudo que ele tinha cabia no bolso da jaqueta


Tudo que ele deixou foi uma carta de amor pra uma apresentadora de programa infantil. Nela ele dizia que já não era criança, e que a esperança também dança como monstros de um filme japonês. Tudo que ele tinha era uma foto desbotada, recortada de revista especializada em vida de artista. Tudo que ele queria era encontrá-la um dia (todo suicida acredita na vida depois da morte). Tudo que ele tinha cabia no bolso da jaqueta. A vida quando acaba, cabe em qualquer lugar.E a violência travestida faz seu trottoir...

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A violência travestida faz seu trottoir - Engenheiros do Hawaii

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Um pequeno salto para o infinito

Um pequeno salto para o infinito, uma mão que se estende a sua frente e um mundo onde as pessoas podem voar. Dentro de tudo e ligado as mais variáveis possibilidades os mundos são criados. Os sons que ele ouvia o atingiam profundamente, como se não passassem pelo ouvido e entrassem diretamente em sua mente, deixando-o em profundo êxtase e fervorosamente vivo. Antes de tudo o vazio completo se completava de escuridão e vácuo, agora fervilhava de cores e cheiros exuberantes. Um enorme cavalo branco pateava ao seu lado com as narinas dilatadas e os olhos em fogo, não pensou muito e já estava cavalgando em seu dorso pelos mais planos campos que jamais imaginara. Em velocidade surpreendente passava por riachos límpidos e voava entre as árvores de bosques repletos de vida. O céu era de vermelho rubro, era da cor que gostava. Duas grandes criaturas desafiando as leis naturais voavam pelos ares como se não existisse gravidade, davam rodopios e rasantes até se cansarem. O cavalo parou ao pé de uma colossal montanha com o cume coberto pelo mais branco gelo, gigantes de pedra adormeciam por ali. Vez ou outra mudavam de posição causando leves tremores de terra. Ele saltou do cavalo e foi agarrado por uma águia. Num bater de asas já estava transpassando a montanha sentindo o cálido vento em seu rosto. O mundo das alturas era silencioso. Do outro lado o mar cor de carmim se estendia infinitamente a sua frente, a águia o soltou e ele caiu, não para a morte, mas para a vida.
Marvin sonhava.