terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A vida em uma carta - Ana Camila

Poucos dias depois do carnaval, em uma cidade interiorana chamada Jundiaí o clima de festividades já havia passado, as indústria voltaram a rotina, o comércio estava aberto e os correios voltaram a funcionar; e Ana Camila recebeu uma carta. Seu nome e endereço estavam escritos a mão, antes ela nunca recebera uma carta assim. Todas suas correspondências, contas, boletos e cartas de banco eram digitadas. Estranhamente o remetente apenas assinou seu nome, Henrique e nada mais.
Ana Camila foi ao seu quarto, trancou a porta e abriu o envelope tentando lembrar se conhecia algum Henrique. A carta estava toda escrita à mão com uma tinta preta de uma caneta de ponta porosa. Ela sentou na beira da cama e começou a ler...

Querida Ana Camila,

Chamo-te de querida pois todo meu querer está em sua pessoa e nesse momento, em que escrevo esta carta, você é tudo o que eu vejo. Não, você não me conhece pessoalmente e não mais me conhecerá; explico depois. Mas conheço você, seus olhos me perseguem, sua imagem não me sai da mente. Estou olhando para você agora.
Eu sei, você não está entendendo nada. Vou começar do começo.
Chamo-me Henrique. Nasci nessa mesma cidade e nunca morei em outro lugar. Meus pais são boas pessoas, me criaram com muita educação. Tive uma infância normal, sem traumas ou cicatrizes. Nesse momento tenho 23 anos. O que acontece com nossa idade depois que morremos? Gostaria de saber. Tenho, ou tive, bons amigos, daqueles em que se pode confiar seus mais terríveis segredos, daqueles que te seguram quando se está caindo embriagado. Não tenho namorada, nunca tive. Apenas beijei garotas a esmo, sem compromisso. Nunca passei mais de um mês com a mesma garota. Mas acredite, amei todas. Nenhuma me amou, ou pelo menos não pareceram me amar. Preciso confessar, eu sempre tive sorte no jogo da vida, tudo acontece exatamente de modo a me deixar em vantagem, tudo se encaixa, o sinal está sempre verde para mim. Mas como diz o ditado ao contrario, sorte no jogo, azar no amor. Acredito nisso, em sorte e azar. E eu não tenho sorte no amor. Mas a vida é boa. Apesar da pouca idade posso dizer que já sou o que chamam por aí de “rodado”. Vi coisas demais, li coisas demais. Já chorei por louras, já me embriaguei até ver as estrelas ficarem mais próximas, viajei por outros estados, nadei em rios e cachoeiras, andei de moto em trilhas lamacentas. Logicamente ainda tenho muito a aprender e a viver, tenho não, tinha. Pois querida Ana Camila esse é meu ultimo dia de vida. Não fique chocada, eu não estou. Não, não tenho uma doença terminal ou alguma coisa incurável. Rogo de boa saúde, apesar das dores de cabeça. Eu mesmo é que decidi me retirar da vida. O motivo? Sinceramente, e digo sinceramente mesmo. Eu não sei! Mas essa idéia vem me perseguindo a algum tempo, vem me consumindo. Eu já estou cansado. Acho que essa é uma boa idade para morrer. Nem muito novo, nem muito velho.
Sabe como descobri você? Como me interessei por você? É incrível e até estranho, certo dia estava andando pelo centro da cidade e resolvi comprar um chapéu, sempre quis andar de chapéu, nunca tive coragem, mas nesse dia resolvi comprar um. Entrei na loja, escolhi o modelo e fui ao caixa realizar o pagamento; e ali estava você. Eu tenho uma problema sabe, não bem um problema, mas uma peculiaridade, eu me apaixono apenas por olhar alguém que me dê interesse. Com você não foi diferente. Me apaixonei. Paguei o chapéu com meu cartão de crédito, peguei a nota, recebi seu sorriso de agradecimento e também dei meu melhor sorriso. Ao chegar em casa olhei mais atentamente os dizeres da nota fiscal, no rodapé estava escrito: Cliente atendido por: Ana Camila dos Santos. Daí para descobrir seu endereço foi fácil, internet e lista telefônica fazem milagres.
Nesse momento estou escrevendo esta carta sentado em uma mesa da lanchonete que fica de frente para a loja em que você trabalha. Estou olhando para você menina. Essa é minha carta de despedida, de você e da vida. Decidi escrever para três pessoas, três garotas que amo. Você é uma delas.
Provavelmente no momento que você receber essa carta eu já terei partido. Não precisa fazer nada com ela, apenas leia e releia. Não precisa guardá-la se quiser.
Desejo-te um bom ano.
Uma boa vida.
Uma boa chuva.

Amo-te, querida Ana Camila

Henrique

Depois de ler a carta, Ana Camila a releu. Mas não a guardou. Um sentimento estranho pairou em seu peito por alguns dias, mas logo passou. Sua vida foi boa.

2 comentários:

Anônimo disse...

e cadê a minha ???

Mateus Henrique Zanelatti disse...

Mais pra frente querida...